terça-feira, 15 de maio de 2012

SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA AMAZÔNICO


 Publicado na REVISTA T&C AMAZÔNIA Nº21

O ÁRDUO CAMINHO PARA A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA AMAZÔNICO


Autor:
Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca

Resumo

Ciência e tecnologia são avaliadas como grandes empreendimentos que, no caso brasileiro, ainda necessitam de investimentos para incremento do capital humano equiparado aos níveis internacionais, além da consolidação de uma infraestrutura para permitir que trabalhos científicos suscitem patentes e produtos, aumentando o nível da riqueza social.

 Introdução

A formação de capital humano é o começo da conversa quando o assunto é pesquisa e desenvolvimento. No último quarto do século passado, já havia universidades estatais em todos os estados da Região Norte, além de centros privados de ensino universitário. Esse novo panorama educacional promoveu o incremento de capital humano, mas, ainda, não é suficiente para entrada nas universidades de jovens de todos os extratos sociais. Além disso, permanecem assimetrias relacionadas à densidade dos programas cursados quando comparados com os centros de maior densidade intelectual, o que determina lacunas na formação regional de capital humano para áreas estratégicas, a exemplo de engenharia e biologia.

A academia Brasileira de Ciências (ABC), no fim de 2008, publicou um documento onde estão algumas prioridades que deveriam ser consentidas para a expansão amazônica no século XXI. Entre os tópicos relevantes estão: i)”[...]Seu potencial, pelo gigantismo, pelo surpreendente e inédito que comporta, pela variedade que absorve, somente será desvendado de forma segura com a interveniência de cientistas e tecnólogos; ii) [...] Tornou-se obrigatoriamente grande centro de interesse da Ciência e da Tecnologia. Dos cientistas especializados no setor, espera-se a orientação sensata para transformar a Amazônia em esteio do futuro brasileiro. Não é exagero dizer que será um fator medular da sustentação também do próprio planeta; iii) [...] A Amazônia é uma questão global, regional e, sobretudo, nacional. Como tal, o desafio de promover o seu desenvolvimento é uma questão de Estado a ser debatida pelo governo e por toda a sociedade do País. À Ciência, Tecnologia e Inovação, cabem contribuições cruciais no enfrentamento desse desafio”.

No seio das recomendações do referido documento está a percepção de que a “Amazônia brasileira surge como um importante polo de atração política, de oportunidades econômicas e de integração com seus vizinhos. O Brasil dispõe de um complexo sistema de ciência e tecnologia, que gera crescentes oportunidades e múltiplas possibilidades de ações. Esforço político deve ser feito no sentido de se estreitarem laços com os países vizinhos, de forma a se explorarem vantagens competitivas regionais que permitam alavancar o processo de desenvolvimento”.
 
Em muitos momentos, ações (nacionais e locais) foram executadas no sentido de prover a Região Amazônica de estruturas de planejamento para dotá-la de eficácia própria e governabilidade. Quase todas essas iniciativas foram descontinuadas, e muitas delas sequer tiveram a consolidação dos planejamentos que executaram. Tal situação tem sido recorrente no cenário regional, fato que tem impedido o desenvolvimento vigoroso das instituições, deixando fragilizada a governança local, bem como a continuidade de programas das quais somente o tempo pode acarretar a necessária maturação e as consequências refletidamente planejadas.
 
Segundo a ABC (2008) persistem desafios estruturais que continuam clamando por atendimento:
 
Criação de novas universidades públicas, atendendo às mesorregiões que possuem densidades populacionais que justifiquem tal investimento.
Criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino e pesquisa tecnológica, descentralizando a infraestrutura de C&T e permitindo a articulação de uma rede de grande capilaridade.
 
Ampliação e fortalecimento da Pós-Graduação, expandindo de forma expressiva a formação, a atração e a fixação de pessoal altamente qualificado em C,T&I.
 
Fortalecimento das redes de informação na região, dotando-a de uma rede com banda mínima de 2 Gbps.
 
Os reptos acima são a evidente causa das assimetrias entre Norte e Sul no Brasil. Mas, antes de prosseguirmos, vejamos como vem ocorrendo o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) na América Latina.
 
Panorama do investimento na América Latina
 
A partir dos anos 1980 o investimento em ciência e tecnologia, na maioria dos países do mundo desenvolvido, se tornou ainda mais intenso, ou seja, um empreendimento planejado, estimulado e com resultados calculados. Na América Latina houve também forte interesse em financiar pesquisas, resultando no aumento do percentual do PIB investido em P&D, o chamado GERD (gross domestic expenditure on R&D), acima de 100% entre 1997 e 2007. O Brasil investiu 63,5% do GERD latino-americano, seguido pelo México, 15,3% e Argentina, 5,8% (UNESCO, 2010). No caso brasileiro, o governo federal constituiu os chamados Fundos Setoriais, os quais se tornaram ferramenta capital para financiar pesquisas. Além disso, os governos estaduais estruturaram seus sistemas de P&D, estabelecendo as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP), que capturam recursos do Estado dirigindo-os às suas prioridades científicas particulares. Tal arcabouço proporcionou melhora significativa na qualidade da pesquisa produzida, além de gerar acréscimo e fixação de capital humano de alta habilidade intelectual.

O efeito desse esforço foi a ampliação do número de pesquisadores brasileiros, que passou de 64.002 em 2000 para 124.882 em 2007, correspondendo atualmente a 1,7% do total mundial (UNESCO, 2010). Todavia essa somatória de pesquisadores ainda está aquém das demandas e, quando comparada com países como os Estados Unidos (cerca de 1.500.000; 25% do total mundial) e a China (1.400.000, 19%), se mostra irrisória.
 
O acréscimo nos investimentos no sistema de ciência e tecnologia (C&T) brasileiro é robusto: passamos de R$ 470 milhões em 1994 para R$ 1,3 bilhão em 2009 (UNESCO, 2010). Quando olhamos a América Latina, verificamos que os países empreenderam esforços para melhorar o equilíbrio com o mundo chamado desenvolvido. Malgrado os déficits educacional e social, tem-se atualmente a percepção de que a saída para melhorar os países emergentes passa pela estruturação de sistemas de C&T fortes, de modo a permitir a apropriação da riqueza mineral e biológica em seu território e sua transformação por meio de tecnologias autóctones. Esse desafio não prescinde de sistemas de universidades de nível mundial, e, do mesmo modo, será necessário um sistema de investimentos imunes às descontinuidades.
 
A participação do setor privado no financiamento do sistema de P&D na América Latina ainda não é cultural. Os setores econômicos necessitam de políticas de incentivo ao investimento, sem o que não será admitida a incorporação de metas mais ambiciosas. O financiamento do sistema de P&D nos países latino-americanos ainda é muito dependente dos recursos governamentais (entre 40% e 60% no Brasil, México, Argentina e Chile), sendo essa uma das razões do baixo número de solicitação de patentes, porém outro pretexto é a insuficientíssima demanda por inovação por parte do setor produtivo, que prefere importar tecnologias.
 
 Formação de capital humano no Brasil
 
O cenário da formação de recursos humanos para pesquisa tem sido construído com significativo esforço das esferas administrativas federal e estadual, de forma que em alguns estados, o investimento local chega a ser superior ao federal. Tal é o caso do Estado do Paraná, onde uma rede de universidades estaduais foi implantada nas chamadas mesorregiões, causando alterações estruturais e sociais de alta complexidade.

Importante salientar que mesmo nas regiões brasileiras com menor índice de desenvolvimento, tem havido investimentos na instalação de universidades estatais. Recentemente, na Amazônia, foi implantada a primeira universidade federal fora do eixo das capitais, na cidade de Santarém, Pará, cuja concepção pedagógica deverá ser inovadora para os padrões locais e nacionais, trazendo esperança ao preenchimento de lacunas educacionais e científicas que, ao longo de décadas, têm fragilizado o sonho de desenvolvimento em áreas consideradas remotas. Porém outras iniciativas têm buscado amenizar o déficit e as assimetrias na aglutinação do capital humano nacional, tais como as redes de pesquisa, cujo objetivo é agrupar massa crítica em áreas estratégicas, possibilitando interação profissional, compartilhamento de equipamentos, formação de pesquisadores, discussão de programas de pesquisas, respaldo às políticas públicas, entre outras atividades.

De acordo com o MCTI, os quantitativos de pesquisadores envolvidos no sistema de C&T nacional até 2008 mostram 69.232 doutores e 85.910 mestres em tempo integral nas instituições públicas e privadas. As titulações em nível de doutoramento, em 2009, alcançaram o total de 11.368. O número de alunos graduados no sistema universitário nacional foi de 826.928, no mesmo ano; por meio de um algebrismo simples, observa-se que apenas 1,37% dos graduados buscam doutoramento. Esse percentual, aliado à ausência de política para fixação de doutores, em especial nas regiões de menor índice de desenvolvimento, representa uma forte barreira ao progresso, já que existe uma relação direta entre o PIB e o número de doutores. A sociedade parece não enxergar a pesquisa como ferramenta para geração de riqueza, havendo defasagem entre o discurso político nacional e a realidade. Estamos diante de um ciclo pernicioso que não consentirá, no caso amazônico, o atendimento das prioridades içadas pela ABC. A fixação de doutores ou profissionais de maior aptidão intelectual somente ocorrerá se houver algum diferencial para atração. São necessários adicionais aos salários ou recompensas, tais como possibilidades concretas de intercâmbio científico, melhores condições de comunicabilidade, facilidades na importação de insumos e material para pesquisa, entre outros.

Investimento amazônico em P&D

Não se poderia ponderar em dar oportunidade à Amazônia sem um olhar crítico ao sistema universitário regional. Há centros de excelência nas várias universidades federais amazônicas, mas os números da produção científica indicam restar um longo e árduo caminho para a consolidação dessas instituições como centros de análises e discussões das demandas desenvolvimentistas.


Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq (Tabela 1), dos 68.748 autores nacionais que publicaram no período entre 2005 a 2008, apenas 2.613 (3,8%) estão na Região Norte do Brasil.Dos 229.368 artigos publicados por pesquisadores brasileiros em periódicos de circulação internacional no período entre 2005 a 2008, apenas 6.396 (2,7%) vieram da Região Norte, sendo a menor contribuição em termos regionais. É importante evidenciar que a Região Norte publicou 7.502 artigos em revistas de circulação nacional no mesmo período, todavia essa realidade não é alvissareira, pois evidencia que, possivelmente, os níveis de generalizações nas informações publicadas não atingem as exigências dos periódicos internacionais de alto fator de impacto, sendo, por isso, publicadas preferencialmente em periódicos de circulação regional. Há, porém, nesses resultados outras variáveis importantes. Os números relativos à Região Norte refletem também o grande esforço dos 2.863 doutores que estão formalmente nas instituições de pesquisa. A quase totalidade dos doutores publicou 4.632 artigos por ano, o que perfaz uma média de 1,6 artigo por pesquisador/ano. Comparando com a produção científica da Região Sudeste, por exemplo (2,5 artigos/pesquisador/ano), a média não está tão díspare, ou seja, nas condições atuais, o esforço de publicação para o Norte do País está a satisfatório, não sendo de nenhum modo desprezível. Resta ainda uma questão: quanto do conhecimento produzido está sendo convertido em inovação? O Brasil, em 2009, obteve 148 concessões de patentes junto ao escritório ao escritório norte-americano de patentes (USPTO), enquanto a Coreia do Sul obteve 9.566 concessões. Os números indicam que o conhecimento produzido pelos pesquisadores nacionais parece ainda distante da demanda do setor produtivo, levando à indagação sobre o acerto dos investimentos em C&T.

Considerando que a ABC (2008) sugere como prioridade a “ampliação e fortalecimento da Pós-Graduação, expandindo de forma expressiva a formação, atração e fixação de pessoal altamente qualificado em C,T&I, torna-se condição sine qua non que o sistema universitário regional assuma postura mais consentânea com o ambiente acadêmico de nível mundial. Universidades passam a fazer jus a esse título quando, necessariamente, estão lecionando sobre o conhecimento que produzem. O paradoxo regional é que a produção do conhecimento local não é capaz de comunicar alterações nas grades estruturais dos cursos acadêmicos e, nessas circunstâncias, as universidades operam como refletores do conhecimento gerado em outras partes do mundo, resultando em influência tangencial na realidade local.

De outro lado, o setor produtivo amazônico demanda mais inovação nas engenharias, contrapondo-se ao cerne da produção científica regional voltado para biologia. Resta decifrarmos a contradição que nos oprime: a Amazônia é uma região considerada megadiversa, mas o setor produtivo regional não se desenvolve em torno da biodiversidade, ou seja, ratificamos a indagação se estaríamos aplicando corretamente os recursos disponíveis para P&D. Algumas variáveis insistem na manutenção do status quo regional: i) inadequada distribuição geográfica das competências regionais; ii) carência de infraestrutura de C&T nas instituições; iii) investimento amazônico inadequado em P&D. Esse cenário leva à baixa capilaridade de ação das Instituições de C&T na Região, resultando em baixa formação de pesquisadores e de capital humano para atuar em pesquisa, desenvolvimento e inovação. A consequência última dessa cadeia de fatos é a reduzida produção, difusão e utilização do conhecimento e de tecnologias que contribuam para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Apesar de continuarem as assimetrias regionais, na última década tem havido interesse por parte do governo federal em redefinir os percentuais destinados à atividade de P&D nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Há uma determinação para que 30% dos recursos de editais sejam destinados às referidas regiões, onde estão concentrados 25% da massa crítica nacional para pesquisa. Isso tem permitido ampliação na infraestrutura para grupos de pesquisa emergentes, abrindo janelas para a produção científica e para o adensamento da massa crítica.
Por outro lado, os sistemas estaduais de C,T&I contam com fundamental apoio das FAPs, aumentando a possibilidade para o desdobramento científico nos estados.
  
O total geral das receitas dos estados da Amazônia, segundo os números do Ministério da Fazenda para 2010, é em torno de R$ 14 trilhões. Se 1% desse total fosse investido no sistema de C,T&I desses mesmos estados, os recursos seriam da ordem de 145 bilhões de Reais, soma que daria para criar um fundo regional de investimentos e para financiar sucessivamente programas de pesquisas induzidos pela sociedade local. No caso específico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), foram investidos entre 2003 e 2009 R$ 39.309.375,00, montante que corresponde a 0,6% da arrecadação estadual em 2009 (FAPEAM, 2010). Ainda que as FAPs estejam ativas, os recursos para permitir metas mais ambiciosas ainda são limitados. No entanto, se bem entendido o papel estratégico das FAPs, poderá haver indução de pesquisas que esquadrinhem soluções aos gargalos locais, ampliando espaços para parcerias entre academias e o setor produtivo, um casamento que poderá trazer uma prolífica sucessão de resultados importantes.



 Bibliografia

ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS .2008. Amazônia: desafio brasileiro do século XXI/Academia Brasileira de Ciências. São Paulo:Fundação Conrado Wessel, 32 p.

FAPEAM. 2008. Realtório de atividades 2003-2008. www.fapeam.am.gov.br

UNESCO .2010. UNESCO SCIENCE REPORT. UNESCO Publishing.
www.unesco.org/publishing

Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca - Doutor em zoologia, Pesquisador Titular do INPA, Professor da Universidade do Estado do Amazonas.

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